A MATANÇA EM MINAS É MUITO GRANDE PRECISAMOS REVER CERTOS CONCEITOS

Minas só perde para São Paulo em número de mortes relacionadas ao futebol
Cristiano Martins
Em Belo Horizonte
A fama conquistada pelo jeitão tranquilo não pode ser relacionada aos mineiros quando o assunto é futebol. Pesquisa realizada em parceria pelas universidades de Campinas (Unicamp) e de Amsterdã, na Holanda, colocam Minas Gerais como segundo colocado no ranking dos estados com mais mortes relacionadas ao futebol. Proporcionalmente, levando-se em conta a quantidade de grandes torcidas e o número de clássicos disputados anualmente, torna-se o mais violento.

MORTES VINCULADAS AO FUTEBOL
Bruno Cantini/site oficial do Atlético
Bruno Cantini/site oficial do Atlético
Clássico entre os dois grandes de Minas tem gerado violência ao lon go dos tempos.
ESTADOS CASOS
São Paulo 19
Minas Gerais 14
Rio de Janeiro 13
Bahia 5
Rio Grande do Sul 4
Ceará 3
Maranhão 3
Distrito Federal, Pará, Pernambuco 1
TOTAL 64
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Minas tem 14 ocorrências e só fica atrás de São Paulo, que registra 19 mortes e possui o dobro de clubes considerados grandes. Os dados fazem parte de um estudo que compara a violência no futebol brasileiro e europeu e contabiliza mortes causadas por confrontos entre torcedores ou choques com a polícia. Rio de Janeiro, com uma morte a menos que Minas, ocupa a terceira posição. Bahia e Rio Grande do Sul, com 5 e 4 casos, fecham as cinco primeiras colocações.

A proporção fica ainda mais clara quando se leva em conta a quantidade de clássicos disputados em cada um dos estados que lideram a lista. Em 2008, por exemplo, foram realizados apenas cinco em Belo Horizonte, enquanto o estado paulista recebeu 14 confrontos entre os grandes, além de um dérbi em Campinas. Com o Corinthians na primeira divisão, em 2007, esse número foi ainda maior: 18 partidas. No Rio de Janeiro, que está logo abaixo de Minas nas estatísticas, foram disputados 25 clássicos só no ano passado.

"Eu acho que mortes não devem ser tratadas como estatísticas. Uma morte que seja já é causa de muita tristeza e preocupação. Mas os dados são reais, e Minas traz consigo números que revelam uma realidade preocupante", afirmou o promotor do Ministério Público de Minas Gerais, José Antônio Baêta, defensor dos jogos com torcida única em Belo Horizonte.

No próximo domingo, às 16h, no Mineirão, Cruzeiro e Atlético-MG se enfrentam pela 10ª rodada do Brasileiro, em clássico que teria 90% dos ingressos destinados aos torcedores do time celeste, o mandante do jogo. Essa medida, que havia sido acertada por meio de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), oficializada em 15 de junho, não mais será implementada.

A Polícia Militar, por meio do seu Comando Geral, se colocou contrária à medida, sob a alegação de que não poderia garantir a segurança do público, nessa nova configuração, em que a torcida do clube que não tem o mando, ficaria com apenas 10% da carga total de ingressos. No próximo domingo, essa situação seria vivida pela torcida atleticana.

Uma reunião na sede da Federação Mineira de Futebol (FMF), na última terça-feira, com a participação de representantes de Cruzeiro, Atlético-MG, Ministério Público, Polícia Militar e demais autoridades envolvidas na organização do jogo, decidiu dividir ao meio a carga total de 64.800 entradas. Dessa forma, na manhã de quinta-feira, a venda antecipada foi iniciada com 32.400 bilhetes disponibilizados para a torcida de cada clube.

Para Heloísa Reis, uma das responsáveis pela pesquisa conjunta entre Unicamp e Universidade de Amsterdã, o sistema de torcida única não é solução para o problema no futebol brasileiro. "Países na Europa, como Inglaterra e Espanha, nunca adotaram essa medida, porque não vivenciaram tamanha ausência do poder do Estado. O problema não é de fácil resolução e nem tem uma única solução. Deve ser combatido com um conjunto de ações", afirmou a pesquisadora, que é pós-doutora em sociologia do esporte e direito esportivo pela Universidade de Murcia (Espanha).

Momento propício

A proposta de se fazer o clássico mineiro com "torcida única", que foi derrubada após a posição contrária da Polícia Militar de Minas Gerais, partiu de Cruzeiro e Atlético-MG, mas encontrou apoio do Ministério Público de Minas Gerais, de acordo com o promotor José Antônio Baêta.

Segundo ele, não haveria situação mais indicada para testar a nova distribuição de ingressos, que contemplaria 90% das entradas para a torcida do mandante e 10% para os torcedores do outro time. O promotor explica sua posição ao lembrar que ano que vem o Mineirão será fechado para reformas visando a Copa do Mundo de 2014.

"A experiência deve ser feita no estádio, que tem toda a estrutura e abriga todo o contexto do clássico da cidade", justificou Baêta, lamentando a perda da possibilidade de se testar uma nova logística de segurança. De acordo com ele, esta primeira experiência será importante para os próximos anos, projetando jogos da Libertadores e até da Copa do Mundo de 2014.

Histórico

Curiosamente, o primeiro caso dessa natureza registrado no Brasil aconteceu justamente na capital mineira. Em novembro de 1967, o atleticano Crispim Modestino Costa disparou dois tiros contra o cruzeirense Joaquim Lima da Rocha, seu colega de trabalho, depois de ter sido esfaqueado pela vítima durante uma briga logo após uma partida.

De lá pra cá, mais três torcedores cruzeirenses e seis atleticanos, além de um flamenguista e outras quatro pessoas - dentre elas um homem de 90 anos, alvejado por uma bala perdida durante tiroteio entre torcidas - foram mortos na Região Metropolitana de Belo Horizonte em decorrência dos conflitos.

As estatísticas mineiras foram engrossadas no início deste ano com a morte de Lucas Anastácio Batista Marcelino, de 20 anos. O torcedor atleticano levou um tiro no pescoço enquanto esperava um ônibus, pouco antes do clássico entre Atlético-MG e Cruzeiro, no dia 15 de fevereiro, pela fase de classificação do Estadual.